quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Maldita

 

Única herança vernácula

Que minh’alma aprendeu

Só sabia louvar o amor assim!

Maldito, maldito amor!

Maldito beijo molhado,

Boca maldita que mordisquei.

Malditos braços, minha prisão,

Maldito olhar que me fisgava,

Malditas mãos, algemas minhas!

Maldito aroma escorregadio

Maldito suor, maldita quentura!

Maldita amante, maldita!

Maldita, bendita que me fez bem!

Bendito maldito que mal me fez!

 

Set 2018

 

Antagonismo

 

Tudo era campo minado!

No pequeno país nada era possível,

Toda a vida que havia, desapareceria.

Os beligerantes, com ar triunfante,

Cantavam seus hinos de guerra

Marchavam confiantes: direita, volver!

Um contra todos, todos contra um,

O povo sabia, quão cruel era aquilo.

A matança ocorria, ninguém acudia,

Quem à esquerda volvia, no paraíso perdido.

Tudo não eram flores, nada era luz, andaluz!

Não havia sentido, ordem ou progresso,

Apenas um sonho regresso!

Nem acordo ilógico, nem uma reviravolta,

Uma trapaça talvez, um conluio,

E o povo daquele antro confuso,

Naquele lugar belicoso,

Que se afundasse do lado,

Que aos poderosos faziam tremer. 

Fev. 2019

Extinto

 

Ah, como eu gostava de gostar de você!

Como era lindo seu modo de me encantar.

Com você aprendi amar detalhes...

Tão grandes de nós dois!

Ríamos juntos até de seu jeito desafinado

Quando timidamente cantava pedaços do Âmbar,

Uma canção tão nossa, tão minha, tão sua...

Em desatino, feito louco, te ouvia:

( ... tá tudo aceso, tá tudo tão claro em mim,

Tá tudo brilhando (...)  desde que vim morar nos seus olhos ...)

Ainda colado em seu corpo meu,

Suado, vibrante, brilhante, te adorava.

Hoje, saudoso, vejo a réstia de luz,

Do que foi um dia, um morro iluminado,

Adocicado por seu canto encanto,

Que, aos poucos se foi apagando,

E me vejo assim extinto, tudo parado,

Tudo morto em mim, desde que você,

Apagando o Âmbar de tão cálido amor,

Tirou dos seus olhos,

Os olhos que eram tão meus!  

2015.

Saudade de Gentileza

Com uma tábua escrita

Feita a tábua dos mandamentos

Aquele estranho homem

Enfeitava as ruas de Mirandópolis,

Proferia palavras de amor.

 

Ainda criança do lugarejo,

Como a maior parte da gente

Não entendia o andarilho,

Nem decifrava que sua mensagem,

Espalhava palavras do bem.

 

José Datrino, o filho da terra,

Florescia a tábua da esperança

Quando de suas andanças,

Indiferente à surdez do povo,

Semeava palavras de amor

 

Pelas ruas do Rio, Gentileza

Espalhava a sua mensagem,

Na mesma tábua florada

Deixava o povo encantado,

Pintava palavras de paz.

 

Palavras adornaram viadutos

Pilastras pregavam saber

Paredes adornavam a fé

O Profeta tornou pilastra:

Gentileza gerava Gentileza.       

Abril 2018

 

Porão das palavras

 

Revolvi o pó de meus versos,

Cavei fundo, cavouquei palavras,

Limpei letras, juntei E, S com Ç,

Formei esperança, sentença.

Contemplei vogais: ditongos em saltos,

Cinco letras de mãos dadas: Oásis!

Soterrada, a esperança minava.

Sorri. Vesti-me de coragem,

Embaralhei letras incertas.

A terra fofa convidava a escavar

No solo, vocábulos luzentes bailavam!

Clandestinas palavras, dissimuladas,

A média distância eram esguelhas!

Mirei-as! Inexatidão pareava-se à restrição,

Indigestão, insensatez marcavam o charco.

De soslaio, insensíveis, maliciosas,

Moviam-se entre seixos, torrões,

Dissimuladas, sumiam-se pelo penedo.

Gritei. Clamei: - Esperança!

Que sentença há para os meus versos?

São versos potentes, vigorosos, poeta!

São tempos árduos, pugilista da palavra!

Escarafuncha, esgaravata o solo!

Contempla, admira as palavras,

Explicita, ecoa, faça voar os vocábulos!

Teça! Resgata a voz da leveza perdida!

Sem serventia é o que vive no barro!

Mar. 2019