sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Por que as mães morrem?


O poeta Carlos Drummond, em seu poema Para sempre, pergunta intrigante: Por que Deus permite que as mães vão se embora? Tal qual o poeta, muitos repetem a mesma pergunta que ecoa..., simplesmente ecoa...
O real assustador é que a hora chega e, com a realidade desnudada, a sensação de abandono, a falta de chão, é tal qual o momento da separação do seio-alimentador dos primeiros tempos de vida.
Mas, após a separação – fosse para receber um irmão, novo titular do leite natural, a mãe ali estava, para criar mais um filho, com amor infinito. Ou mesmo quando era tempo de escola, aos sete anos, uma nova ruptura. Como o sinal da aula, a mãe era presente para levar ao colégio, para brigar na escola contra todos os perigos possíveis a seu bem mais precioso.
Na juventude, outra separação: ganhava-se a rua, os amigos contra o sono perdido. De volta a casa, a que hora fosse, a mãe bem perto era acalanto para perdas, danos ou porres homéricos.
Ao ingressar no mundo do trabalho, outro corte: mas a roupa cuidada, a chamada matinal, as refeições, os bons conselhos e a torcida para que o melhor filho do mundo fosse o melhor profissional, era presente materno vivo.
O casamento: um novo rompimento. Tempo depois, sua presença no papel de avó proclamava que a vida se recicla e ressurge especialista na função de zelar, de proteger e de amar mais gente.
Porém, sem esgotar o potencial de amar, um dia, as mães partem. Retiram-se de cena. Deixam-nos. Travados, disfarçamo-nos, como crianças, a perguntar: – por que está fria, mãe? Por que cerrou seus olhos? Mas, parafraseando Guimarães Rosa, não morrem: ficam encantadas!
13/04/2009

Cântico de Liberdade


Transporto-me ao ano de 2004. Um bom momento a recordar. Compus o júri do I Concurso Reescrevendo o futuro: cidadania hoje para viver melhor o futuro, na etapa regional, desenvolvido pela Secretaria de Administração Penitenciária paulista, envolvendo mulheres presas. O evento, por seus objetivos, teve repercussão internacional.
E se, viver é muito perigoso, segundo Guimarães Rosa, viver é também afinar um instrumento de dentro pra fora e de fora pra dentro, dizem os versos de Walter Franco. Foi o que presenciei nas modalidades abrangidas pelo certame: prosa, verso, estética, simpatia. Por que não afinar o instrumento, mesmo privado da liberdade?
Uma noite em que o sonho, a crença e a criação daquelas mulheres costuravam um destino diferente, ao sonhar pela liberdade ainda ausente, à época. Teciam o sonho de ser livre nas prosas e versos marcados pela saudade de um tempo livre. Com palavras soltas, expressavam a memória dos braços não abraçados, dos beijos não dados, do filho distante, num eu-lírico afinado com a nostalgia e a esperança.
A beleza e a simpatia, apesar do nervosismo, da ansiedade, e muito de emoção, também encheram de futuro as candidatas. A noite do evento vestia de princesas a beleza de mulheres, prisioneiras no corpo, soltas, porém a escritas e passos que lhe permitiam desenho um futuro melhor.
Ações educativas exigem constância. Seus resultados podem não vicejar de imediato. Educação que liberta é tomar a pessoa como centro, fazê-la afinar seu instrumento, despertar sua potencialidade.
12/05/2009

Notícia de jornal


Há dias me vem à memória o samba cantando por Chico Buarque sobre o final da história de amor de Joana de Tal com um tal João. Semelhante às tragédias da vida real, Joana quis dar cabo da vida; não conseguiu. Medicada, de volta para a casa, ela se pega sem lar, sem amor. É apenas alguém que errou na dose, errou de João. Ninguém notou, nem morou na dor que era seu mal.
Joana, a mulata errante, sem João, Pessoas de Tal, moradores de barracos humildes, anônimos, vítimas de amores desfeitos, logo, sem jeito, na cena confirmam o refrão-conclusão da música: “a dor da gente não sai no jornal”.
Como tantos outros cidadãos, suas histórias, seus medos, suas perdas e seus danos, a quem interessa a dor de Joana de Tal? O que fazer com a imensidão de encontros e desencontros que assolam alguns ali, devassam tantos acolá? Assim como a história de Joana e de João, melhor não escrever, cantá-la, apenas em versos e acordes possíveis.
E por que não escrever as histórias ricas de vida? Talvez porque dê trabalho, ou pela dificuldade em lidar com elas. Podem confundir, já que são histórias não ensinadas na escola, nem nas faculdades. Os “causos” dos barracos, das vilas, dos engenhos, do mato, suas cores e dores, que deles se encarreguem poetas, seresteiros e os embalem as cantigas e as rodas de samba, em noites de desabafo.
De fato, dores de toda a gente como Joana, não têm vozes, apesar dos gritos e gemidos; não saem, pois, no jornal. Expressam-nas os versos, como os que compõem a música A massa: “a dor da gente é dor de menino acanhado, menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar”.
08/06/2009

A lista


Uma música, não muito nova, mas bem atual, de Oswaldo Montenegro, tem o mesmo título deste texto. Um recado interessante, certamente compõe o pano de fundo do que o compositor coloca em seus versos. A canção remete à colagem do que compõem histórias de vida: amigos, conquistas, sonhos, mistérios, mentiras, perdas e danos. Enfim, coisas da vida.
Dessas que passam e nem sempre são percebidas com a ligeireza impressa pelo alucinante ritmo de viver. Quando se dá conta, é preciso fazer uma lista do que nem é mais. Talvez, apenas amontoados de coisas, para uma possível seleção.
Ao se falar em lista, por que não revisar o tema, já que o ano novo ainda inspira por rumos e roteiros a traçar, apesar de toda a incerteza de viver? A elas, pois.
Listar os livros lidos, as mensagens deles extraídas, e, em especial, aqueles que, fechados, esperam que as palavras do autor sejam desveladas, discutidas, debatidas, à caça de ressignificação.
Outra lista possível: das enunciações negativas com as quais se costuma – mesmo sob a inocente aparência do “nada a ver”, magoar pessoas, pelo simples fato de elas representarem, por exemplo, a gestão de um bem público. E, é claro, refletir e, se possível, reconstruir trajetos para tornar ditoso o bem comum.
Listar, ainda, as promessas feitas sob a forma de ameaça-desabafo, com o objetivo de inferiorizar os semelhantes, como se todo o poder do mundo coubesse, muitas vezes, em arroubos de “ganhar no grito” simplesmente, como desejo de marcar território num espaço em que o coletivo é ignorado. Pergunta-se: fazer o quê dessa lista?
Fazer, enfim, uma lista de coisas simples, que permita viver e bem viver preferencialmente!
22/06/2009

Brincadeiras: jogos e jogados


Longe está o tempo da bolinha de gude, do pique, das peladas nas ruas (entenda-se futebol) e outras aventuras que povoaram o mundo infantil.
Os dias de primavera nas tardes fagueiras dos bosques, a matinha peculiar de cada cidade onde as crianças, voavam de cipó a cipó, numa grande concentração de Tarzans ficaram entre memórias e gibis, histórias de vida tecidas pelos então pequenos heróis.
Éramos cowboys, índios, mocinhos ou bandidos; apenas isso. E valia o brincar até quando a tarde morria e nos lembrávamos, com frio na barriga e com um gosto de transgressão, dos ensinamentos dos pais sobre os perigos do nadar às escondidas  dos mergulhos não autorizados nos córregos da cidade – o Poção, lembre-se, era o pânico dos pais - mesmo assim, a gente arriscava e o fazia, para tomar um gole de aventura e de felicidade.
Os carrinhos de rolimã rasgavam ruelas, ladeiras, calçadas: as disputas desenfreadas, quase sempre, terminavam até mesmo na alegria dos joelhos ralados.    
Os terrenos baldios não tinham o ar de abandono dos de hoje. Eram territórios de jogadores de peões de madeira, do esconde-esconde, do pega-pega, do taco, ou “bete”, aquele mesmo das vidraças estilhaçadas... afinal, eram coisas de crianças.
Vida controversa! E lá fora, distante, fria, perigosa ficou a rua dos meninos, sem eles. O brincar infantil da atualidade já integrou a era digital: celulares, câmeras, players de MP 10 (e sabe-se lá a que número se chegará), jogos de luta, de guerra também furtam a infância. Um apelo tecnológico assustador. Uma roda viva aprisionadora de mentes, sem cabanas, nem cavernas, ou forte apache. Novos jogos em vidas jogadas, talvez, vidas de faça-de-conta.
17/01;2011

EaD - a bola da vez


Os recursos tecnológicos aplicados à educação têm sido tomados como magia que pousa sobre a escola. De repente, as mídias em educação parecem se configurar como um fenômeno em separado do que já se fazia na educação escolar. Viveríamos um antropofagismo pedagógico, simplesmente?
Apesar das profecias tecnológicas, é evidente que para subsidiar as boas práticas em projetos de Educação a Distância, a existência de um Projeto Político Pedagógico – tomado como uma proposta de ação em bases realistas – pode ser o referencial de qualidade, norte de toda a empreitada, numa época em que ensinar e aprender exige muito mais flexibilidade: seja de tempo, de espaço, de indivíduo, de grupo etc.
Num país marcado por tantos contrastes, a Educação a Distância (EaD) se apresenta como um paradigma educacional como forma de ampliar a escolaridade e a oportunidade de atualização a tantos brasileiros, alijados do processo, frente aos compromissos presentes nas agendas educacionais.
Todavia, é preciso atentar-se a um requisito importante: qualidade. Esse deve ser o mote principal às equipes gestoras de um programa de EaD. Isso porque se trata de qualificação humana e não educação em forma de discriminação positiva àqueles que não tiveram oportunidades de ingresso e acesso ao mundo letrado.
Observadas as dimensões necessárias aos cursos a distância, é de se crer que os objetivos do MEC frente à criação do Sistema Universidade Aberta do Brasil, possam potencializar novos conhecimentos, com o forte apoio dos recursos tecnológicos, à medida que, ao encurtar distâncias, ampliem-se as idéias.
27/10/2008

Dez anos depois: outros cliques. 28/12/2018

Natal


Mais um ano, mais uma celebração... e, de repente, a constatação pelo clima, pelos enfeites, pelas festas envolventes, pelo apelo comercial, pelas luzes, bolas, festões, brilhos, de que é, enfim, o Natal.
E o que é Natal, mesmo?  Algumas definições: Capital do estado do Rio Grande do Norte; significa o dia do nascimento de alguém e, a solenidade cristã na qual se comemora o nascimento de Jesus Cristo. No enfoque capitalista, é o período do consumo, gasto para muitos, lucro para alguns.
Com efeito, não há como ignorar a abrangência, a universalidade, o calor emanado da festa de Natal, como uma corrente em forma de luzes e atrai, arrebata, e nos faz – ainda que por breves momentos – mais humanos, mais crentes na vida, nas pessoas e na felicidade de uma pequena luz a piscar ou deixar de fazê-lo, num pinheirinho natalino.
Embalados com o final de ano, de ciclo e também de vida – uma espécie de balanço do que se fez e do que se deixou de fazer - as pessoas se pegam assim com o espírito de papai Noel e passam a exalar do profundo d’alma um pouco do ouro, da mirra e do incenso que todos carregam. E, num instante mágico, fazem suas entregas.
A alegria da festa natalina parece formatar nas pessoas um jeito novo de viver e de ser, como se a vida, reinventada, permitisse uma interação total entre mortais.
Como a caminhada dos três reis magos, desejável seria que a alma humana se deixasse guiar, ao longo de dias, meses e anos, por esse espírito de saudação, de doação, de perdão e de vida e, a cada passo dado, badalar os sinos, para espalhar a boa notícia: o filho de Deus, mesmo que uns não queiram, nasce e renasce, no coração das pessoas.  Daí, sim, perceber e dizer: então, Feliz Natal!
Depois do Natal, que valha o exercício a se praticar em todos os dias do novo ano, para, enfim, o dia nascer feliz, sorridente, alegre tornando possível, inclusive as segundas-feiras mais preguiçosas, retomada do trabalho e da vida que segue seu curso num eterno Natal.
24/12/2010

Do que é descartável


Na pós-modernidade a cultura do descartável acentuou-se. Tudo, de repente, é descartável: marmitas, sacolas, fraldas, pratos e talheres, aparelhos eletro-eletrônicos, garrafas, tampinhas etc. Usou, serviu-se e fartou-se, joga-se.
A Enciclopédia Wikipédia define, resumidamente, o termo: um produto com curto prazo, destinado apenas para uma utilização. É evidente que o descartável torna as coisas mais práticas, proporciona economia, satisfação imediata: faz poupar tempo, coisas e até pessoas.
Isso causa estranhamento: o alcance dessa cultura, que atinge relacionamentos humanos. Algumas pessoas usam outras e, depois disso, as descartam.
Um exemplo está nas práticas de políticos: passadas as águas eleitorais, tudo se limpa! Alguns amigos praticam o descarte. Amizade boa é aquela que vale o tempo do intento. Feita a colheita, deleta-se o trouxa.
O campo amoroso também se vitima frente ao cortante descarte. Amar, nesses tempos, dura muito. Ficar parece ser a solução para depois, sair e, quem sabe, registrar a estatística.  No trabalho, especialmente no setor privado, tudo pode ir muito bem, até mesmo por um tempo longo. De repente, o temível descarte chega como a morte e derruba certezas e sonhos.
A fala recente de um professor fez confirmar a prática do descarte no campo profissional. Dizia-me ele que sempre se dedicou a um trabalho sério, sem limites e sem horas, do tipo “pau para toda a obra”. E arrematou: “um belo dia - ironia das narrativas - fizeram de mim um copo descartável”.
E ainda há quem, profissional do setor público, descarte tanto trabalho, idéias, projetos e pessoas.
15/03/2009

De crianças e escolas


É fevereiro, 18. Temporada não só de carnaval. As águas do segundo mês do ano levam, com suas enxurradas, as férias escolares, em especial, as das escolas oficiais do Brasil. Já ecoa longe a lembrança das festas natalinas, de ano bom e da quietude de janeiro. 
As aulas reiniciam. As ruas ganham vida: crianças, mochilas, carrinhos de material escolar, uniformes movimentam-se: aquarela o quadro escolar. Descortinam-se, para pais e alunos, expectativas e promessas. A vida escolar é um varal: nele se estende mais um ano de esperanças.
Os discursos de educadores e de pais evidenciam que a escola representa, de fato, esse varal, mesmo que às vezes seja tanta a roupa a estender, pouco o prendedor a fixá-las, ou mesmo a incerteza quanto à resistência da corda. Sobre ele as expectativas de renovação repousam fixas, como roupa de festa.
Não resisti à curiosidade do primeiro dia de aula e busquei na sinceridade das crianças a confirmação da crença da educação escolar como um varal resistente. Do segundo ano do ensino fundamental vem a resposta de uma garotinha à questão: por que você está na escola? “Porque aprendo um monte de coisas”. E exemplifica: “por que quando ficar velha vou ler as coisas; posso saber ler Mercado lá no alto e ler o nome de todas as coisas que ele vende”.
A fala da menina faz eco com a de um colega de quarta série. “Estou na escola para ser alguém na vida; para ter uma boa profissão, para ter uma vida melhor, para ser gente...”.
As crianças desenham seus desejos e fixam-se em seus varais. Para isso, escola se planeja, se critica e estuda-se, para estampar felicidades, já!
É bom ouvir os sinais! É bom ouvir as crianças. Feliz 2009 letivo!
17/02/2009

Crônica da saudade


De repente, em meio ao turbilhão de recordações, a gente se dá conta de que, ao envelhecer, segundo dizem, a lembrança de fatos e coisas do passado torna-se mais viva e mais presente naquilo que resta de nossos dias.
E, ao recordar, lembro a canção que vem à mente e desnuda a realidade em versos: "um dia a mais, quem sabe, pode ser um dia a menos". O bom de envelhecer é poder participar de eventos familiares - em que se juntam diferentes gerações - como nesses primeiros dias de ócio de ano novo, e celebrar aniversários, encontros, despedidas, numa espécie de resgate da vida vivida. E conversar, apenas.
Aí se esconde um segredo bom da vida: conversar e, às vezes, só ouvir o que se conversa, a que nomeio como crônica de saudade. Conversa que atravessa um dos maiores temas do momento, a saber, as astúcias de Flora – personagem de Patrícia Pillar, em A Favorita[1] - expressas em seu desejo de felicidade clandestinamente conquistada, e, num átimo, tornamo-nos críticos em telenovela.
E todo o falar não para aí: da TV ao cinema, deste ao Rádio, e, no ar – pulsante e conectado nas tramas – programas-lembrança. A sessão, por instantes, parece acabar. Um chiado antigo anuncia que a música se apresenta: é a volta do Long Player e da vitrola, ou, quando muito, da pequena e saudosa sonata a girá-lo e a cantar a vida.
A canção faz retomar a seresta, a brincadeira-dançante e a carta, a grande ausente, silenciada e trocada pelos e-mails. Numa espécie de balanço de vida, a constatação de que se vivem tempos frios e descartáveis, consolam-nos os versos restantes, “Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com um carta na mão, ante surpresa tão rude, nem sei como pude chegar ao portão...” para, talvez, compor outras recordações.
06.02.2015

[1] A Favorita é uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo no horário das 21 horas, entre 2 de junho de 2008 e 16 de janeiro de 2009. Wikipédia.

Cinzas do caminho


Depois que a casa cai – se ainda restou o muro – é quase sempre aquele, o lugar para as lamentações. Que o diga o Clube de Regatas Vasco da Gama, de São Januário, para referendar apenas um dos times que deixará a elite do futebol brasileiro, em 2009.
Dentre as lamentações, é comum abrir a temporada de caça aos culpados, a ponto de se esquecer de que a vida e as coisas que nela há são edificadas em conjunto, por pessoas, responsáveis para orquestrar o ritmo e o compasso pretendido para fazê-las acontecer.
Assim, a cantilena que embala as lamentações ao redor do muro, soa com os versos freqüentes, em forma de questões: por que não lá? Por que não na casa do vizinho? Por que nesse ano? Não dava para esperar mais um pouco? Quem sabe a gente encontre uma saída na próxima temporada? Dá para acreditar que isso tenha de acontecer com a gente? E, por aí, vai...
Enquanto as dores não se suavizam e a serenidade não seja bastante para retomar o raciocínio, as cinzas da caminhada farão apontar culpas e culpados. Porém, em tempos de quedas coletivas é preciso respirar e reconhecê-las como parte da vida. Não é demais lembrar o que Fernando Pessoa evidenciou em versos “Eu nunca conheci quem não tivesse levado porrada da vida” e o que Noite Ilustrada, ao cantar, imortalizou: “Reconhece a queda/ E não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ E dá volta por cima.
É possível, quando paralisado pela queda, que um pouco de poesia e de música bastem para entender que quando se planta mal, colhe-se mal e que, no incerto desenho da vida, haverá sempre um cenário novo e, nele, pessoas novas e, o novo Sol, para aquecer dias melhores, e amalgamar o caminho a novas vitórias.
08/12/2008

Aula e aprendizado


É duro admitir, mas um gosto amargo sempre fica à boca diante da perda de algo ou de alguém. Mas, como saber o que é perder, o que é ganhar? É preciso avaliar, sem paixão os acontecimentos, os riscos, os danos causados no fluxo da vida.
Fiquei pensando nisto entre ontem e hoje cedo e processando as informações diante da derrota do Santos Futebol Clube, o glorioso alvinegro praiano (reforce-se), ao poderoso Barcelona, na final do Mundial de Clubes da FIFA, em Yokoyama, Japão, neste final de dezembro.
Pois bem, passadas as primeiras horas, trocadas algumas palavras com amigos ou silenciadas outras (ontem, ao dormir, ouvi de minha mulher a se referir a meu filho e meu cunhado – torcedores amantes apaixonados pelo Peixe: os santistas nem se falaram hoje – é possível refletir sobre as vitórias e as derrotas.
Numa mensagem eletrônica, meu cunhado Irair lembrou-me a frase contida numa canção de Belchior: o passado é uma roupa que não nos serve mais.  Talvez ainda sirva como lição a ser aprendida, e, se necessário usá-la, reformá-la, afinal, reformas também ajudam a construir, aproveitar, reciclar, reaproveitar, reutilizar, com novos olhos.
No Facebook, por exemplo, as coisas já rolaram (e é natural que as pessoas se coloquem, curtam, cutuquem os amigos – adversários apenas nos campos – e, cá entre nós, é um momento de delírio ver o time alheio se arrastando e contando as horas que o jogo acabe quando se está perdendo (e perdendo feio), não apenas por um ou dois gols. Acontece. Na vida, tudo acontece. Amigos, amigos, negócios a parte, já diria Neymar a Dani Alves, o baiano mais Catalão que o país já gerou.
No passado, o grande presidente americano John F. Kennedy lembrava: “A vitória tem mais de uma centena de pais - a derrota, por outro lado, essa, é órfã." Por isso, aos amigos, ora desolados pela derrota, curtindo (ou não) os rojões da nação hispânica que se instalou no país para saudar a vitória coletiva do Barça e, junto a ela a frustração de não ser o seu time (ganhador de Libertadores ou não ou ganhador do Mundial de Clubes) a estar ali, em solo japonês, o tempo de viver a orfandade da página que se virou ontem e partir para 2012, com o ingresso ao novo tempo, ao novo show e à possibilidade de voltar à cena, com coragem, com garra, com leveza e aprendizados novos.
E, falando em zoeira, este texto só foi possível porque minha Secretária do Lar, hoje, após o café matinal e ela se colocar a postos para a brava segunda-feira que antecede o Natal ter chegado sorrateiramente quando eu estava consultando meus emails, me disse: - e aí, Sr. Elísio, gostou da aula que o Barça deu ontem no seu time?
Pensei na resposta. Isso era inevitável, pois, como ela é integrante da maior torcida do Brasil, a fiel, precisava caprichar no placar para revertê-lo e emendei:
- Gostei muito, Ana. Uma boa aula é sempre importante e espero que isso sirva de lição, inclusive, a seu time para quando, um dia, após passar por todas as dificuldades de ser Campeão da Libertadores, possa, no Japão ou onde for não ser um aluno que se submeta a uma lição tão grande como a que o Santos ontem aprendeu!
Mas falando em lição, reporto-me aos comentários do grande Noriega junto do Milton Leite, dupla imbatível nas transmissões, quando o primeiro disse que o Santos respeitou demais e temeu o Barça e, como tal, extirpou do campo sua alegria de jogar, pelo menos. Com efeito, temeu, respeitou, temeu... Fica, também, como lição uma frase do filme Vem dançar comigo, quando a experiente dançarina recomendou à sobrinha para não temer os desafios do concurso de danças e arrematou: viver com medo é viver pela metade. Que se viva, integralmente, sempre!
E, para terminar o texto motivado pela fala de Ana, a doce empregada, trago Saramago para fazer lembrar que a história se constroi, a vida segue seu fluxo, o Sol, na terra em que ele nasça ou não, haverá de brilhar outro dia e pensar, sempre na importância de todas as aulas, não só na aula magna do Barcelona, que "O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas." - José Saramago.
19.12.2011

Agulha na carne


Um canal fechado de TV produziu, recentemente, um programa, a exemplo do que, no final de 2007, um jornal da capital paulista veiculou, e desvelou a exploração do trabalhador boliviano, nas Oficinas de Costura, em São Paulo.
Os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz, das tribos de homens nus, os guerreiros ousados, denunciados nos versos de Castro Alves, são agora os filhos dos Andes e chegam sem cruzar mares, sem navios, sem conforto e sem perspectiva, à Estação Rodoviária paulista, e atualizam a versão dos navios negreiros de outrora. Surgem as novas senzalas.
Clandestinos, ao entrarem no país, “admitidos” por patrícios ou intermediários, por “bons ganhos” e com promessa de felicidade, os profissionais da agulha e linha, “acertam” seus contratos de trabalho, sem se dar conta das jornadas escorchantes de trabalho, do ingresso nos porões tecidos com retalhos descorados.
Passam, assim, a compor o cotidiano dos vieses de suas vidas já severinas, perdidas entre traçados, alinhavos, pontos a costurar peças que, juntas a essa realidade, as prendem nas Oficinas de Costura do Brás, Bom Retiro, Parí e adjacências, em troca de comida, moradia, ou, ainda, alguns centavos ao dia.
É notório que o fenômeno da globalização econômica provoca a migração. A desigualdade regional repete o movimento e faz deslocar pessoas em busca de melhor situação de vida.  É fato, também, que essa migração leva à exploração e à degradação humana.
Impossível aceitar a nova senzala. Impossível não se indignar ao saber que se produzem, no maior centro da moda do país, estação a estação, coleções e coleções, ainda que populares, que despem o direito da pessoa.

Abril 2013